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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

A LINGUAGEM PROIBIDA: O USO DE PALAVRÕES EM CHARGES

SCHNEIDER, Luizane
ROSSI, João Carlos

RESUMO: Polêmicas à parte, o estudo dos palavrões se faz necessário para o entendimento de seu uso. Além de discernir se utiliza a linguagem padrão ou não-padrão, o falante também incorpora na sua fala palavrões. Isso é fato! Os xingamentos mostram a evolução da linguagem e das sociedades, de modo que não nascem por acaso. Inicialmente, pode-se dizer que quanto mais culto e crítico for um povo, mais palavrões ele utiliza. É o caso da França, que usa muito mais palavrões do que o Brasil. Falar palavrão não é somente falta de educação, pelo contrário, pode revelar o descontentamento da sociedade. Para tanto, este trabalho visa a conceituar o palavrão a partir das teorias lexicais e sociolinguísticas vigentes bem como procura entender a raiz da censura para o uso de palavras de baixo calão. Em que situações ele pode ser utilizado, ou seja, o falante deve ter “autorização” e em quais contextos seu uso pode gerar problemas até judiciais. No cerne do significado, o que revela proferir certos palavrões? Busca-se entender o uso dos palavrões a partir do estudo de charges que evocam seu uso.


PALAVRAS-CHAVE: Léxico, palavrão, charges.


1INFORMAÇÕES PRELIMINARES: RESPEITAR É PRECISO

O conceito de variedade linguística torna-se essencial quando se pensa a língua. Muitos equívocos já foram realizados ao se pensar a língua sob um único viés – o padrão. Uma língua nunca é falada de maneira uniforme pelos seus usuários: ela está sujeita a muitas variações. O modo de falar uma língua varia – de época para época: o português de nossos antepassados é diferente do que falamos hoje; de região para região: o carioca, o baiano, o paulista e o gaúcho falam de maneiras distintas; de grupo social para grupo social: pessoas que moram em bairros chamados nobres falam diferente dos que moram na periferia. Costuma-se distinguir o português das pessoas mais prestigiadas socialmente (impropriamente chamada de fala culta ou norma culta) e o das pessoas de grupos sociais menos prestigiados (a fala popular ou norma popular); de situação para situação: cada uma das variantes pode ser falada com mais cuidado e vigilância (a fala formal) e de modo mais espontâneo e menos controlado (a fala informal). Um professor universitário ou um juiz falam de um modo na faculdade ou no tribunal e de outro numa reunião de amigos, em casa e em outras situações formais. Além dessas, há outras variações, como, por exemplo, o modo de falar de grupos profissionais, a gíria própria de faixas etárias diferentes, a língua escrita e oral.
Diante de tantas variantes linguísticas, é inevitável perguntar qual delas é a correta. Resposta: não existe a mais correta em termos absolutos, mas sim, a mais adequada a cada contexto. Dessa maneira, fala bem aquele que se mostra capaz de escolher a variante adequada a cada situação e consegue o máximo de eficiência dentro da variante escolhida.
Usar o português rígido, próprio da língua escrita formal, numa situação descontraída da comunicação oral é falar de modo inadequado. Soa como pretensioso, pedante, artificial. Por outro lado, é inadequado em situação formal usar gírias, termos chulos, desrespeitosos, fugir afinal das normas típicas dessa situação.
A partir dessas considerações, suscitamos o palavrão: o maior de todos os tabus linguísticos.

  UM BREVE PENSAR SOBRE O PALAVRÃO

               Publicado em 1903, constituindo gírias em seu conteúdo, voltado para linguagem erótica, o Dicionário Moderno foi publicado pelo professor francês Albert Audubert, (pesquisador da gíria brasileira, durante o tempo que esteve no Brasil).
                 O estudo da linguagem erótica situa-se no campo dos tabus linguísticos morais e abrange áreas sobre as quais se tem preferido calar. Os vocábulos obscenos, palavrões, blasfêmia, gíria e o discurso malicioso se resumem a palavras de baixo prestígio conhecida pelas classes mais avantajadas, todas se apresentam como formas linguísticas estigmatizadas, condenadas pelos padrões culturais que se tornaram tabus linguísticos.
 O tabu linguístico se caracteriza por ser um sistema de superstições relacionadas à religião, elementos sociais, econômicos e morais, podem ser voltados a nomes de animais, partes do corpo entre outros. É necessário também evocar que se faz presente a associação do uso da linguagem proibida a falantes menos cultos e com baixo grau de estudo.
              Sobre a blasfêmia, Benveniste diz que constitui um tipo de léxico relacionado àmoral e à religião, fato que a distancia do conceito de obscenidade, apresentado acima. Ao discutir o vocábulo blasfêmico, Benveniste parece imprimir certa hierarquia às palavras, pois estabelece uma distinção entre a blasfêmia e a imprecação. A última é considerada “a expressão blasfêmica por excelência, inteiramente distinta da blasfêmia como asserção difamante relativamente à religião ou à divindade”. Assim, o autor vê dois tipos de blasfêmias: uma ligada à religião e à moral e a outra designada de imprecação.


... assegura que a imprecação, compreendida como a apoteose da blasfêmia, embora apresente seu sentido isolado do contexto, é esvaziada de sua função comunicativa, porque é pronunciada sempre em função da pressão de um sentimento violento, vivido por alguém. BENVENISTE (1989, p. 259)


“Enquanto o leigo tende a acreditar que há palavras bonitas ou feias em uma língua, o linguista prefere afirmar que, intrinsecamente, inexistem recursos lexicais esteticamente agradáveis ou desagradáveis. (GOMES, 2002, p.9)” Estruturamos nossa recolha vocabular segundo os preceitos da onomasiologia – enfoque que parte do conceito e de certas matérias ou assuntos que aponta os significantes correspondentes.
Com Preti (1984, p.59) concordamos que: o léxico representa para o linguista um campo de difícil análise, pelas implicações culturais que possui e porque nele, mais do que nenhum outro, se observa melhor a condição dinâmica da língua, sua contínua renovação para atender as necessidades de comunicação, fato que reflete a mobilidade das estruturas sociais, que também se renovam incessantemente.
Ao aproximarmos as definições do léxico geral ao léxico pessoal, em nosso caso o erótico-obsceno, admitimos com Preti (1984, p.61) que: a perspectiva moral, por exemplo as frágeis linhas que marcam os limites dos bons costumes cujos conceitos continuamente se renovam dentro de uma comunidade, são transpostas para o campo do léxico. Formas vulgares se incorporam à norma culta e vice-versa. A vida das palavras torna-se um reflexo da vida social, e em nome de uma ética vigente proíbe-se ou liberam-se palavras que processam julgamentos de bons ou maus termos, apropriados ou inadequados aos mais variados contextos. (PRETI, 1984, p.61).
A análise da língua erótica abrange áreas sobre as quais não tem preferido falar apesar de serem extremamente populares e correntes do dia a dia de muitas pessoas nos diferentes níveis sociais, como os vocábulos obscenos, as blasfêmias, a gíria e o discurso malicioso. A eles, deu-se o nome de Linguagem Proibida. Nessa linguagem, estão “formas estigmatizadas e de baixo prestígio, condenadas pelos padrões culturais, o que as transformou, em poucas exceções, em tabus linguísticos” (PRETI,1984, p.3). A linguagem erótica é um expressivo índice linguístico de muitos fatos e costumes sociais e sexuais.
Para Preti (1984), o léxico é um campo de difícil análise. Por pensar assim, ele chega a afirmar que “o léxico é o campo da língua que melhor espelha a dinâmica social” (PRETI, 1992, p.93). Isso significa que a palavra reflete os valores culturais da sociedade.
Se for verdade que a quebra das convenções permite a materialidade linguística dos tabus, então é razoável a afirmação de que tal subversão gera uma linguagem proibida, sobretudo “porque os juízos da sociedade [...] se transferem para o léxico” (PRETI, 1983, p. 61).
Para Preti (1983, p. 62), penetrar no terreno da obscenidade na linguagem é inserir-se “no controvertido campo da moral das palavras”. É possível falar em “moral das palavras” porque a elas são dados “valores” pelos enunciadores que passam a reconhecer em suas pronúncias o que ela representa. Houve um tempo em que se acreditou que esses “valores” atribuídos às palavras proibidas eram oriundos de uma classe social menos abastada. Porém, segundo os estudos de Preti (1984), não é possível reduzir a circulação de palavras obscenas somente às práticas linguageiras incultas, posto que é possível verificar o gosto pela obscenidade entre os que pertencem à dita “classe nobre”.

3COLETA DE DADOS

O presente artigo baseia-se na análise de alguns palavrões em contexto. Os textos selecionados são charges atuais e que, porventura, veiculam algum item lexical dessa natureza.
A charge, além do seu caráter humorístico, embora pareça, muitas vezes, ser um texto ingênuo e despretensioso, constitui uma ferramenta de conscientização, pois ao mesmo tempo em que diverte, informa, denuncia e critica. Por ser um tipo de texto eclético, a charge propicia a interdisciplinaridade e pode tornar-se um excelente recurso de conscientização no exercício da cidadania, pois os assuntos que nela tratam são corriqueiros do nosso dia a dia.
Neste aspecto, a “leitura” das charges de maneira competente contribuirá para desenvolver a competência leitora de nossos alunos e estabelecer relações com os problemas no contexto social em que estão inseridos.
Todo texto traz em sua essência uma intencionalidade. Ele deve ser interpretado de maneira que se perceba a intenção do autor e se chegue ao sentido do texto, por meio da interação com o leitor.
O texto chárgico é carregado de sentidos que precisam ser construídos a partir da leitura da realidade que se fundamentam em outras abstrações. Na charge, isso se dá desde a escolha dos personagens ou dos elementos que a constituem até a verbalização de determinados pontos de expressão. Quando nos deparamos com uma charge, surge sempre a pergunta: o que o autor quis dizer com isso? A intencionalidade é alvo do autor e do leitor e não há preocupação com a censura.
Desse modo, Geraldi (1997, p.171) afirma que lendo a palavra do outro, posso descobrir nela outras formas de pensar que, contrapondo às minhas, poderão me levar à construção de novas formas, e assim sucessivamente.

4ANÁLISE DE DADOS

São inúmeras as categorias que podem ser analisadas partindo-se dos palavrões em charges. Inicialmente, trataremos de palavras que pela situação começam a adquirir um caráter extremamente negativo e que passam a ser classificadas como palavrões. Essa carga semântica é suscitada pelas situações reais do cenário político.

Charge 1 – Neologismos lexicais


Nota-se, na charge 1 que o tom ao se dar no momento em que se profere a palavra político não é um dos melhores. O item lexical está carregado de um desabafo, de raiva, de decepção. Assim, chamar alguém de político, em situações específicas, passou a denotar revolta e xingamento. Esse teor semântico deve-se à falta de credibilidade e das muitas más ações desempenhadas por essa categoria na sociedade.
É importante não generalizar. Ainda há situações em que ser chamado de político é algo positivo, pois denota uma característica digna de civilidade.

Charge 2 – Tratamento inadequado da mídia
            Outro ponto que devemos considerar foi a grande polêmica do livro didático, polêmica essa que não levou em conta a real situação de uso considerada no livro didático.
            Inicialmente, a expressão “pau no cu” denota incompetência, falta de personalidade, passividade perante os fatos. É um significante rico e com uma carga de insatisfação muito grande quando proferido. Revela o senso crítico do falante.
            O que a mídia provocou em relação aos usos do português em livros didáticos distribuídos pelo governo foi nada mais que um falso purismo linguístico...



            Aliás, vale lembrar que a mídia normalmente revela uma falta de conhecimento da língua. Se eles tratam a língua de maneira tão ruim e sem caráter científico, o que podemos pensar ao tratamento dado a todos os assuntos noticiados pelos meios midiáticos? Certamente, há uma lacuna muito grande e o purismo linguístico atrapalha, e muito, o entendimento real da língua. Devemos lembrar que a mídia está a serviço do poder, da instituição PRIVADA que é a Academia Brasileira de Letras e se esquece do fundamental: a língua é um bem social, é do rico, do pobre, do doutor e do trabalhador. Respeitar as variações e entendê-las em seu contexto é elementar.

Charge 3 – Crítica aos conceitos políticos do povo

Na charge 3, a expressão “mané” demonstra de maneira espontânea a visão crítica em relação aos brasileiros que de alguma forma ainda acreditam na honestidade dos políticos. 

http://canetasemfronteira.blogspot.com/2010_07_01_archive.html 


Charge 4 - Indignação


           
Como era de se prever, uma autoridade proferindo um palavrão seria mais uma polêmica para a mídia. Ainda mais se tratando do presidente da República: Lula. O Presidente previu que seria criticado e disse que os comentadores dos grandes jornais destacariam o uso de um palavrão no seu discurso. "Mas eu tenho consciência de que eles falam mais palavrão do que eu todo dia e tenho consciência de como vive o povo pobre deste país", justificou.
O termo “merda” mostra a situação precária em que o povo se encontra. No discurso do presidente Lula, há uma aproximação entre a sua intenção de mudar a situação do povo humilde e o próprio povo que vive essa situação.

5CONSIDERAÇÕES FINAIS


Nosso estudo sobre palavrões a partir das análises de charges nos mostra de maneira humorística o uso das expressões de baixo calão utilizadas de forma a mostrar a indignação, satisfação, desabafo, raiva e decepção do falante. A utilização de palavrões é comum em nosso dia a dia e pode ser usado de forma positiva, pois através dessas análises pode-se perceber que quanto mais culto for um povo, mais palavrões ele utiliza. Tomamos como exemplo a França, que utiliza mais palavras de baixo calão do que o Brasil. Na verdade, o palavrão mostra o senso crítico de um povo frente a assuntos polêmicos e de injustiça.
            Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos.
            É importante ressaltar seu contexto de uso. Não o podemos proferir em qualquer situação, mas sim em ambientes propícios e que condizem com a realidade do uso desse mecanismo linguístico tão presente em nossa cultura.



6REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BENVENISTE, E. A blasfêmia e a eufemia. In: ______. Problemas de linguística geral II. Tradução de Ingedore G. Villaça Koch. São Paulo: Pontes, 1989.

GERALDI, J.  W. Portos de Passagem. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

GOMES, L.L. Inglês proibido: dicionário do sexo vulgar. São Paulo: Pioneira/Thomson Learning, 2002.

PRETI, Dino. A linguagem proibida: um estudo sobre a linguagem erótica: baseado no Dicionário moderno de Bock. São Paulo : T. A. Queiroz, 1983.

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