Se os corações fossem pequenas casas, a cada
pessoa seria destinado um cômodo. A grande maioria jamais passaria da cozinha.
Ficaria por ali, perambulando, à espera de um convite para a tão cobiçada sala
de estar, onde tudo supostamente estaria acontecendo. Enquanto isso, algumas
pessoas seriam encaminhadas à área de serviço, onde tentariam colocar as coisas
em ordem. Iriam lavar, passar, limpar. Tudo para agradar e, quem sabe, ser
recompensadas.
Mas, mesmo que o dono da casa as tratasse
com carinho, no fundo, elas saberiam o seu lugar. Os que forçassem a entrada
seriam mandados diretamente para o banheiro, onde ficariam presos até que o
proprietário decidisse dar ou não a descarga final.Aos poucos sortudos,
caberiam os quartos. No plural, porque o dono da casa saberia que, ao longo da
vida, iria receber mais de um hóspede importante. Alguns seriam jogados no
lixo, é triste admitir. E depois seriam levados para fora de casa, em grandes
sacos pretos. Outros até trocariam de cômodo.
Dentre os festeiros da sala, um deles
poderia passar a noite no quarto. Talvez mais de uma. E, talvez, depois de
várias noites, esse mesmo indivíduo poderia acabar indo embora pela descarga.
Não existem regras definidas para o funcionamento dessa pequena casa. Uma mesma
pessoa pode ocupar diferentes cômodos em diferentes corações. Você pode estar
fadado à área de serviço de um, mas também pode ocupar a suíte master de outro.
Todos nós, se já não estivemos, ainda estaremos em cada um desses lugares e
experimentaremos a frustração de não nos sentirmos devidamente alocados.
Mas, com sorte, também saberemos como é bom
ser escolhido para um cantinho quente e protegido da casa. De todo jeito, a
maneira mais surpreendente de se conquistar um coração é quando você entra pela
área de serviço, de mansinho. Sem fazer muito barulho, você chega até a festa
da sala e, pouco a pouco, acaba se destacando entre os demais convidados.
Quando menos espera, sua escova de dente já está no banheiro. Abrir a porta do
quarto agora é uma mera formalidade. Porque, a essa altura, a casa inteira
também é sua.
Texto
de Aline Regina Hanauer
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